terça-feira, 6 de novembro de 2012

Luís Paulo Rodrigues. “Os consumidores não toleram a mentira”



Declina de todo a ideia de a comunicação ser encarada como um serviço entregue a amigos ou curiosos ou como uma despesa dispensável em momentos de crise, defendendo que o melhor que pode acontecer a uma marca é entrar no sistema mediático tradicional depois de ter construído a sua imagem no espaço digital. Encara isso como uma agregação de valor extraordinária, embora tenha de ser feito com muito cuidado! Principalmente num momento em que as marcas têm de ser cada vez mais honestas na sua comunicação, pois os consumidores estão cansados de mentiras!

PERGUNTA (P) – Como avalia a comunicação feita pelas empresas portuguesas? Considera que há ainda muitos aspectos a melhorar?
LUÍS PAULO RODRIGUES (LPR) – Em todas as empresas, a despesa em comunicação deveria ser encarada como um investimento essencial na sua gestão estratégica. E, quando falo em comunicação empresarial, refiro-me à assessoria de imprensa, às relações públicas e a todas as disciplinas da comunicação: o marketing, a comunicação interna, o atendimento ao cliente, a comunicação digital, a publicidade, a comunicação corporativa, o marketing na comunidade envolvente, etc. Em cada empresa ou organização tudo isto deve funcionar de forma integrada, respeitando a visão, a missão e os valores. As empresas portuguesas, salvo honrosas excepções, têm a visão, a missão e os valores expressos no seu ‘site’ como se fossem adereços que ficam bem ali. Na maioria dos casos são visões e missões perfeitamente vagas, que poderiam ser aplicadas a todas as empresas. Quanto à comunicação, muitas vezes, é encarada como um serviço que pode ser entregue aos amigos ou curiosos. Ou como uma despesa dispensável em momentos de crise.

P – Tendo em conta as características do nosso país, considera que é vantajosa a comunicação em associação?
LPR – A comunicação em associação é um excelente caminho, porque permite uma comunicação eficaz por menos dinheiro. O problema são as capelinhas e os egocentrismos paroquiais. O movimento associativo, muitas vezes, não é suficientemente forte. Por exemplo, os produtores de vinho de uma determinada região poderiam fazer a comunicação nacional ou internacional, mediante o pagamento de uma quota mensal ou anual à associação a que pertencem, cabendo à associação a responsabilidade pela comunicação, de acordo com os mercados prioritários. O futuro da comunicação internacional de alguns produtos portugueses, como o vinho ou o azeite, tem de passar por aí. Para se promover no estrangeiro, o vinho português tem de deixar as salas dos hotéis, onde são feitas as provas de degustação sempre para as mesmas pessoas, e tem de ir até aos consumidores que lêem jornais e revistas e que estão na Internet, que querem conhecer não só o vinho, mas a região onde ele é produzido e os próprios métodos de produção. O novo consumidor é informado e gosta de procurar informação antes de decidir as suas compras.

P – Como se deve comunicar no mercado global?
LPR – Os princípios da comunicação são iguais em todo o lado. O que é preciso é conhecer os mercados, a sua cultura, os seus hábitos, costumes e tradições. É preciso saber se as pessoas lêem mais jornais ou se vêem mais televisão. Se frequentam mais o Facebook ou o Twitter. As mensagens também têm de ser adaptadas a cada região do globo. Não podemos no mercado de muçulmanos apostar numa publicidade que explore o capital erótico da mulher. Nem podemos ir para o Brasil falar em “raparigas”, que lá são prostitutas, nem em frango pica-no-chão, que remete para uma coisa pornográfica. O vinho verde, no Brasil, não pode ser servido “fresco” – que soa a arrogância –, tem de ser servido gelado. Por isso, a comunicação, embora obedecendo aos mesmos princípios em todos os lugares, precisa de ser regional para ser mais para ser mais eficaz. Regional no sentido em que apela a uma adaptação ao mercado.

P – Um estudo recente revela que as marcas relevantes são as que fazem a diferença na vida das pessoas, comunidades, sociedade e gerações futuras e também as que dominam o mercado. Perante esta situação, existe necessidade de se alterar a estratégia das empresas?
LPR – Esta questão foca dois problemas. O primeiro, relativamente à questão do peso das marcas na mente dos consumidores, significa que a maioria das marcas portuguesas não existe para a maioria das pessoas. Provavelmente, isso acontece porque essas marcas comunicam mal e não conseguem um envolvimento satisfatório com os consumidores. Lá, está, o que não é comunicado não existe. O segundo problema tem a ver com as exportações portuguesas e com a imagem de Portugal no estrangeiro. Os consumidores associam as marcas à imagem dos países. Se a Coca-Cola não fosse americana, não seria a marca que é. Se a BMW não fosse alemã também não seria a marca consistente e robusta que é. Dou um exemplo concreto que afectou as exportações de máquinas fotográficas da Leica para os Estados Unidos. Cerca de 90 por cento das máquinas Leica são produzidas em Portugal, em Vila Nova de Famalicão. E são tão bem produzidas que os alemães acabam de investir na construção de uma nova fábrica. Há uns anos, as máquinas produzidas em Famalicão passaram a usar a etiqueta “made in Portugal”. A experiência foi um fracasso. Depois de perdas de 30% em vendas nos EUA e Japão, a Leitz, a empresa dos alemães em Famalicão, decidiu voltar a inscrever a etiqueta “made in Germany” para recuperar. E recuperou. Isto significa que os grandes mercados internacionais não confiam muito nos produtos fabricados em Portugal, a não ser os produtos naturais, como os alimentares. Eis um indicador precioso para o Governo trabalhar a imagem de Portugal no estrangeiro. E seria importante saber por que é que os americanos e os japoneses deixaram de comprar uma máquina fotográfica de uma marca alemã prestigiada, só porque ostentava a inscrição “made in Portugal”. Mas isto serve para explicar que o peso das marcas na mente dos consumidores está muito ligado à imagem dos países.

P – A que se devem estas mudanças nos consumidores?
LPR – Os consumidores são cada vez mais informados e cada vez mais exigentes. Os consumidores perguntam, querem saber, fazem contas e só depois é que decidem. Com tantas marcas à disposição, o consumidor ganhou poder, porque ganhou capacidade de escolha. Logo, o consumidor contemporâneo quer ser tratado de igual para igual. A marca deixou de debitar propaganda de dentro para fora, ficando à espera do cliente atrás do balcão, porque sabia que não havia concorrência. Agora, a marca tem de conversar com o consumidor, tem de interagir com ele, tem de tratá-lo como se fosse o seu melhor amigo para mantê-lo por muito tempo. Porque um cliente é um bem cada vez mais escasso.

P – A comunicação tem sido bem conseguida pela maioria das marcas no sentido da sua eficácia e até de honestidade com o consumidor?
LPR – Há marcas que ainda não despertaram para a nova ordem económica global. Há empresas e marcas que contratam estagiários de borla ou por 500 euros, ou até menos, para “alimentar as redes sociais”. Mas as redes sociais não são vacas, que ficam satisfeitas com a erva que lhes damos. As redes sociais são para ser geridas por profissionais de comunicação capacitados, que saibam criar conteúdos que interessem às pessoas que a marca procura conquistar, que saibam na ponta da língua a visão, a missão e os valores da marca, que sejam atenciosos e que resolvam os problemas com eficácia e discrição, tendo em conta que o cliente tem sempre razão, mesmo que não tenha.

P – Quer dar um exemplo de um bom marketing viral?
LPR – Vou lembrar um mau exemplo, para alertar as empresas no sentido de terem muito cuidado com este tipo de marketing. Porque há criativos que são tão criativos que produzem um efeito contrário ao pretendido. O melhor que pode acontecer a uma marca é entrar no sistema mediático tradicional depois de ter construído a sua imagem no espaço digital. Significa uma agregação de valor extraordinária. Mas isso tem de ser feito com cuidado. As marcas têm de ser honestas na sua comunicação. O que fez a Cacharel Portugal, por exemplo, com uma história de amor que era falsa, foi muito negativo para a marca. Os consumidores informados não toleram a mentira. A Cacharel Portugal contratou dois actores que usaram de forma criminosa os meios de comunicação tradicionais para venderem um produto a partir de uma história inventada. As reacções negativas do público português não se fizeram esperar na Internet e ainda bem. Tem de haver ética na comunicação.

Entrevista concedida à jornalista Lurdes Trindade, publicada na Revista Especial sobre as 250 Maiores Empresas do Distrito de Leiria, editada pela Jorlis – Edições e Publicações, Lda. e distribuída com o "Jornal de Leiria" (01-11-2012) e o "Jornal de Negócios" (06-11-2012). Clicar aqui para descarregar aentrevista em formato PDF.

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